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6 de junho de 2021

Mortos e Abandonados

 

COMBATENTES MORTOS E ABANDONADOS

 

Caros Amigos

 

Falar dos combatentes mortos e abandonados em campas degradadas e sem o mínimo de dignidade é falar dum assunto que me toca profundamente. E só por isso vale a pena dirigir-me a todos vós, já que está em causa a vergonhosa falta de respeito para com os nossos companheiros de armas.

Em primeiro lugar, nunca deveriam ter sido abandonados, porque partiram da sua Pátria na convicção que cumpriam o dever patriótico imposto pelos governantes e regressavam ao seio da família. Por cobardia dos respectivos comandantes ou por razões logísticas impossíveis de ultrapassar, mais de 3.000 desses combatentes mortos foram enterrados nos mais diversos locais das antigas colónias. Quando em missão no norte de Moçambique assisti a situações de abandono dos mortos, protestei e consegui mobilizar cerca de 200 companheiros para exigir ao comandante do batalhão de Mueda que os três pára-quedistas do meu grupo, mortos numa emboscada, e mais cinco militares do Exército, mortos no rebentamento de uma mina anti-carro, fossem depositados em urnas apropriadas para os trazer para Portugal. Decorria o ano de 1966, tempos complicados para reclamar, mas conseguimos que não fossem depositados no cemitério de Mueda.

Analisando os acordos de paz com os Movimentos independentistas dos antigos territórios ultramarinos, conclui-se que os “nossos” negociadores se esqueceram duma cláusula elementar em qualquer acordo de paz: O REPATRIAMENTO dos mortos em combate. Desde aí, jamais algum governante se preocupou com o assunto. É o desprezo pelos familiares e companheiros dos que “ficaram para trás”.

Quando começamos a indagar sobre a situação, viemos a saber que a Liga dos Combatentes tem gasto do orçamento do Estado cerca de 208 mil euros por ano, para tratar das campas dos “nossos” mortos abandonados em África. Quando alguns antigos combatentes se deslocam a esses novos países lusófonos ficam completamente revoltados com a vergonhosa degradação dos locais das campas. Outros testemunhos de cooperantes (professores, missionários, funcionários de organizações de apoio e familiares de retornados que vivem nesses países) dizem que há indícios de sessões de “magia negra” dentro dos cemitérios das principais cidades, há campas vandalizadas e rumores de que as ossadas são vendidas para uso de feiticeiros na Zâmbia e no Malawi, há populações a reclamar as terras onde se encontram os “nossos” cemitérios. Há construções dentro dos cemitérios e por cima das campas. Tudo isso se passa sem que o governo português tome uma atitude digna, mantendo uma apatia que nos repugna.

Fazendo uso dos acessos privilegiados à comunicação social, a Liga dos Combatentes tem tentado enganar o povo português quanto às dificuldades em trazer para Portugal os restos mortais. Ignorando as dificuldades económicas e de saúde de grande maioria dos antigos combatentes, optaram por gastar dinheiro na recuperação dos cemitérios, concentrando as ossadas em diversos locais da Guiné, Angola e Moçambique, com o argumento do “turismo das memórias”, onde todos poderemos fazer excursões turísticas. Esta ideia, além da imbecilidade do seu propósito, é uma deplorável afronta aos combatentes, ainda mais grave quando vem de gente altamente responsável em cargos do estado.

O Movimento Cívico de Antigos Combatentes está consciente de toda a situação e constata que o dinheiro já gasto, sem qualquer resultado visível, era suficiente para resolver a questão financeira; para as questões logísticas, temos a colaboração das autoridades e colectividades locais de cada país. Haja boa vontade e conjugação de esforços e teremos resolvido este assunto de âmbito nacional, tranquilizando a consciência dos camaradas de armas dos abandonados!

Contra os apregoadores de que devemos pura e simplesmente deixar tudo como está, porque “é uma honra morrer e ficar enterrado no campo de batalha”, nós dizemos: esse argumento só mostra a ignorância de quem o afirma, porque as savanas e os trilhos das matas africanas, onde aconteceram as emboscadas e rebentaram as minas, não se podem comparar com as planícies das Ardenas ou da Normandia da Europa. Muitos desses arautos defensores dos inoperantes generais que usam recursos do Estado, em deslocações e viagens, gastando o dinheiro que poderia ajudar no resgate dos nossos companheiros, são conhecidos comandantes ao tempo dos acontecimentos, que se acobardaram e, como tal, também são responsáveis por muitos dos mortos terem ficado abandonados.

 

Joaquim Coelho, membro do Movimento Cívico de Antigos Combatentes-2009

Repórter de guerra







                                        COMBATENTES MORTOS E ABANDONADOS

 

       Quando os poderes instalados nos diversos patamares da governação do país fingem desconhecer o sofrimento das centenas de milhar de traumatizados pelos efeitos dos dramas vividos na guerra colonial, é tempo dos Combatentes mostrarem a sua indignação e protestarem activamente. Estamos fartos de pantominas nas coisas sérias.

       São cada vez mais evidentes as acções políticas no sentido de amordaçar e desprestigiar os cidadãos portugueses, reduzindo-os a simples máquinas de trabalho ao serviço dos interesses malignos da globalização. Tudo isso põe em causa os valores patrióticos pelos quais os Combatentes deram o melhor da sua juventude ao serviço da Pátria; como vão perdendo o medo de recordarem o negrume de muitos dias de carências de toda a ordem, já se afoitam a atirar algumas pedras contra o charco da ingratidão a que foram votados. Integrados na sociedade pós-descolonização e, apesar dos seus dramas pessoais, trabalhando na qualidade de assalariados, empresários ou emigrantes, fizeram-no com o sentido de contribuir para um Portugal melhor. Agora, é tempo de combater todas as injustiças que os atingem só por causa de terem sido “os melhores homens da Pátria”, em determinado período da história contemporânea.

    Estamos certos de que alguns elementos da sociedade que nos acusaram de todos os males que a descolonização lhes tenha causado são os mesmos “colonos bacocos” que nos hostilizaram enquanto combatentes, ignorando a força dos “ventos da história” que mudou as relações entre os povos. Até já lançaram a atoarda de que a questão do regresso dos mortos divide os combatentes vivos; os que aceitam que os restos mortais dos nossos companheiros continuem em terras “estrangeiras” devem fazer parte do lote dos cobardes, desertores e traidores à pátria ou ignoram que a dignidade duma Nação está na forma como trata os seus mortos em combate. 

       Mas, a razão suprema da nossa indignação é saber que os dirigentes da Liga dos Combatentes, à semelhança dos governantes, continuam a tratar os combatentes mortos e abandonados, em cemitérios provisórios e campas degradadas, como os restos mortais dos seres mais reles e indignos da nação. A missão empreendida, por um grupo de “antigos combatentes” e a União Portuguesa de Pára-quedistas, para trazer de volta à Pátria e aos respectivos familiares os “mortos de Guidage-Guiné” trouxe ao conhecimento público a vergonhosa acção da Liga dos Combatentes. Primeiro, usou de diversos artifícios para abortar a missão, incluindo a chantagem diplomática; depois, aproveitou o dinheiro angariado por esse “grupo de combatentes e amigos” para tratar da trasladação ao seu modo: viagens e mais viagens e muita burocracia. Há dois anos que andamos com este caso e não sabemos quando os restos mortais desses combatentes chegarão à terra das suas famílias.

  Sabemos que, as centenas de milhares de Euros orçamentadas anualmente para a Liga dos Combatentes, vão sendo gastas em viagens “turísticas” às terras de África. Os Boletins da Liga dão conta de algum “trabalho” em prol dos cemitérios… Mas os testemunhos dos combatentes que tiveram condições para visitar “as terras onde perderam muitos dos sonhos da sua juventude” demonstram o inequívoco abandono e total degradação dos locais onde ficaram “os nossos companheiros mortos”. “A LIGA NÃO ESQUECE!”, mas gasta o dinheiro sem resultados.

 Braga, 10-05-2012

Joaquim Coelho in “O Veterano de Guerra” 







MORTOS EM COMBATE - O SINDROMA DA COBARDIA

 

Tal como já demonstrámos ao falecido General Lopes Camilo, numa digressão a Pemba (Porto Amélia), lembramos ao Excelentíssimo Senhor General Chito Rodrigues que não vale de nada pagar para pintarem umas tantas pedras desconexas das campas já destruídas se, no essencial, ninguém garante a limpeza periódica e a segurança das sepulturas. São os jornalistas e as autoridades locais que alertam para o tráfego de ossadas em terras de Moçambique. Quanto a Angola, quando nos deslocámos ao antigo Cemitério Novo, corremos sérios riscos de sermos molestados, já que as gentes locais não vêm com bons olhos a visita de portugueses para constatarem a criminosa destruição dos mármores da entrada do Cemitério e das centenas de campas existentes naquele local. Não fora a coragem do taxista que nos acompanhou e teríamos sofrido represálias.

Temos em Portugal um conjunto de responsáveis que um dia responderão pelos gravosos prejuízos causados à Pátria, porque nada fizeram para restituir os mortos aos respectivos familiares e têm desprezado os combatentes que lutam para sararem as mazelas provocadas pela guerra. É mais uma amostragem da sua cobardia e incompetência como chefes. 

Escudados atrás de Instituições públicas, manipulam a opinião pública e os poderes em função dos seus interesses mesquinhos e antipatrióticos, numa campanha indecorosa e triste contra os princípios e valores duma Pátria digna dos seus combatentes mortos e abandonados na lonjura das terras africanas.

È por causa de pessoas deste calibre que a Liga de Combatentes, servil da política dos cobardes do Ministério da Defesa, vai liderando a ideia aberrante da “Conservação das Memórias”, gastando muitas dezenas de milhares de Euros em deslocações e estadias de “veraneio” de pessoas nada interessadas na resolução definitiva da questão dos mortos e abandonados. Sabemos que seria muito mais económico e seguro transladar para Portugal os restos mortais existentes em campas devidamente identificadas, mas percebemos que isso acabaria com as “férias pagas” para um conjunto de pessoas que estão a servir-se dos bens do Estado, numa total afronta e desrespeito dos companheiros de armas dos que morreram em campanha.

As notícias e testemunhos recolhidos nos países onde se encontram esses restos mortais referem duas situações importantes que é urgente tratar: as autoridades locais não garantem qualquer tipo de segurança contra a profanação e destruição das campas e as populações exigem que esses locais lhes sejam restituídos para outras utilizações rentáveis. Por isso, mostram-se colaborantes para ajudar na remoção das ossadas dos nossos “mortos” com destino a Portugal. E, se não houver uma acção urgente nesse sentido, daqui a pouco não haverá nada para resgatar.

10 de Junho de 2009

Joaquim Coelho


Delegado da Associação MAC em Moçambique






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