Memórias da
Guerra Ultramarina – foi há 50 anos
A tragédia que anunciou o fim do Império ultramarino
chegou em 4 de Fevereiro de
O sossego em Luanda terminou abruptamente. Foi o
atiçar do ódio que se veio a espalhar pelas terras do norte de Angola, a partir
da noite de 15 de Março de 1961. Este dia ficou na memória de muitas famílias
de colonos como o mais trágico acontecimento no norte de Angola, onde foram
mortos mais de dois mil brancos e muitos negros seus empregados. As atrocidades
foram tão violentas e dramáticas que ninguém podia ficar indiferente à
quantidade de vítimas, entre as quais, muitas mulheres e crianças esventradas. Os
que escaparam, fugiram para outros locais na busca de protecção; muitas das
vezes, acabaram por cair nas mãos dos sanguinários da UPA (União das Populações
de Angola), que os mutilaram, deceparam e mataram.
Nos primeiros tempos da guerra, os combatentes dos reduzidos
efectivos militares tiveram que se esforçar até aos limites das suas
capacidades humanas para socorrer as populações isoladas nos locais mais
desprotegidos da região afectada pela guerra. As companhias de Caçadores
Especiais avançaram na reconquista das picadas e da região dos Dembos, com
bastante sucesso. Com a mesma finalidade e socorrendo os colonos e populações locais
atacadas pelos bandoleiros, destacaram-se os grupos de Pára-quedistas
organizados em secções de
Para avançar com mais força na reconquista das terras
tomadas pela UPA-chefiada por Holden Roberto, foram mobilizados os Batalhões de
Caçadores 96 e 114 e o Esquadrão de Cavalaria 149, para a reconquista de
Nambuangongo (santuário das forças da UPA), com o custo de várias dezenas de
mortos e centenas de feridos. A Força Aérea foi conquistando os céus do norte
de Angola à medida que foram sendo activadas pistas nas povoações; as condições
logísticas e materiais permitiram apoiar as tropas do Exército que se foram
instalando nas povoações, bem como os Pára-quedistas nas grandes operações de
reconquista de Quipedro, Serra da Canda, Sacandica e Inga, locais de difícil
acesso por terra.
A guerra durou treze longos e dolorosos anos, por ela
passaram mais de um milhão de jovens combatentes, que deram o seu melhor ao
serviço duma causa que pouco lhes dizia. Serviram a Pátria que juraram
defender, independentemente de ideologias ou de sofismas. Dos cerca de 10.000 militares
mortos, mais de 1.700 ficaram lá abandonados em cemitérios improvisados. A
guerra deixou mais de 30.000 deficientes; muitos outros regressaram com graves
sequelas no corpo e na alma, com as quais vivem os dramas dos traumas e das
doenças que lhes tolhem a vida. Mas a grande maioria desses homens souberam
manter intacta a dignidade dos bons portugueses, mesmo quando os governantes os
desprezam e ostracizam. Cerca de oitocentos mil desses, sem qualquer apoio ou
reconhecimento pelo serviço prestado à Pátria, instalaram-se nas mais diversas
actividades produtivas, investindo os seus conhecimentos e dinheiros ao serviço
de Portugal. A persistência das Associações de Combatentes perante os poderes
públicos de pouco tem valido; mas a Associação Portuguesa dos Veteranos de
Guerra tem prestado valioso apoio médico e logístico, além dos projectos que
estão em curso para construção de estruturas capazes de alojar os que vivem
mais isolados e carenciados; é um trabalho meritório que devemos apoiar com
brio e convicção.
Como disse num debate público sobre a aferição dos
valores que equilibram uma sociedade racional, mantenho a opinião de que a
questão dos heróis sempre incomodou os cobardes e os acomodados. Seja no
combate para defesa da Pátria, seja no combate aos fogos ou nas missões de
salvamento das populações atingidas por flagelos e tempestades. Os valores da
solidariedade, da colaboração, da defesa dos princípios democráticos e da paz
não dependem de ideologias ou de regimes políticos; aceitam-se, defendem-se e
praticam-se. Não há meias tintas; ou se é bom cidadão ou não. Os marginais, os
parasitas, os cobardes e os traidores são nocivos à sociedade; uns porque são
criminosos, outros são acomodados; é preciso reagir, ser solidário e produtivo.
São esses arautos do laxismo e do facilitismo que degradam os valores que devem
balizar a aquisição dos conhecimentos necessários ao desempenho com
competência, saber e respeito.
Todos devem merecer respeito pelos anos passados em
situações de perigo, sofrimento e privações de toda a ordem; uns aguentaram e
foram valentes, outros fraquejaram e continuam a sofrer.
Joaquim
Coelho – Combatente em Angola e Moçambique - Repórter de guerra
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