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6 de junho de 2021

Lembrar para não esquecer...

 

Memórias da Guerra Ultramarina – foi há 50 anos

A tragédia que anunciou o fim do Império ultramarino chegou em 4 de Fevereiro de 1961 a Luanda. A Casa de Reclusão Militar, a Cadeia de São Paulo e a 4ª Esquadra da PSP, foram atacadas por grupos de insurrectos que as assaltaram. A refrega sangrenta deu sete polícias e algumas dezenas de atacantes mortos. A agitação na cidade de Luanda era perceptível desde que as autoridades portuguesas prenderam os cabecilhas da revolta contra a empresa Cotonang, na baixa do Cassange, que obrigava os agricultores a cultivar o algodão a baixos preços.

O sossego em Luanda terminou abruptamente. Foi o atiçar do ódio que se veio a espalhar pelas terras do norte de Angola, a partir da noite de 15 de Março de 1961. Este dia ficou na memória de muitas famílias de colonos como o mais trágico acontecimento no norte de Angola, onde foram mortos mais de dois mil brancos e muitos negros seus empregados. As atrocidades foram tão violentas e dramáticas que ninguém podia ficar indiferente à quantidade de vítimas, entre as quais, muitas mulheres e crianças esventradas. Os que escaparam, fugiram para outros locais na busca de protecção; muitas das vezes, acabaram por cair nas mãos dos sanguinários da UPA (União das Populações de Angola), que os mutilaram, deceparam e mataram.

Nos primeiros tempos da guerra, os combatentes dos reduzidos efectivos militares tiveram que se esforçar até aos limites das suas capacidades humanas para socorrer as populações isoladas nos locais mais desprotegidos da região afectada pela guerra. As companhias de Caçadores Especiais avançaram na reconquista das picadas e da região dos Dembos, com bastante sucesso. Com a mesma finalidade e socorrendo os colonos e populações locais atacadas pelos bandoleiros, destacaram-se os grupos de Pára-quedistas organizados em secções de 9 a 12 homens, com especial relevo na defesa das povoações de Damba, 31 de Janeiro, Maquela do Zombo, Sacandica, Quibocolo, Bungo, Songo, Mucaba, Lucunga e outras onde foram necessárias acções rápidas e eficazes. Destacaram-se alguns elementos mais ousados, entre eles, o Alferes Mota da Costa, os Tenentes Veríssimo e Mansilha, o sargento Santiago, os soldados Eugénio Dias e Pimentel. No decorrer das primeiras missões, morreram em combate o Alferes Mota da Costa, o soldado Domingos e o cabo Almeida Cunha.

Para avançar com mais força na reconquista das terras tomadas pela UPA-chefiada por Holden Roberto, foram mobilizados os Batalhões de Caçadores 96 e 114 e o Esquadrão de Cavalaria 149, para a reconquista de Nambuangongo (santuário das forças da UPA), com o custo de várias dezenas de mortos e centenas de feridos. A Força Aérea foi conquistando os céus do norte de Angola à medida que foram sendo activadas pistas nas povoações; as condições logísticas e materiais permitiram apoiar as tropas do Exército que se foram instalando nas povoações, bem como os Pára-quedistas nas grandes operações de reconquista de Quipedro, Serra da Canda, Sacandica e Inga, locais de difícil acesso por terra.

A guerra durou treze longos e dolorosos anos, por ela passaram mais de um milhão de jovens combatentes, que deram o seu melhor ao serviço duma causa que pouco lhes dizia. Serviram a Pátria que juraram defender, independentemente de ideologias ou de sofismas. Dos cerca de 10.000 militares mortos, mais de 1.700 ficaram lá abandonados em cemitérios improvisados. A guerra deixou mais de 30.000 deficientes; muitos outros regressaram com graves sequelas no corpo e na alma, com as quais vivem os dramas dos traumas e das doenças que lhes tolhem a vida. Mas a grande maioria desses homens souberam manter intacta a dignidade dos bons portugueses, mesmo quando os governantes os desprezam e ostracizam. Cerca de oitocentos mil desses, sem qualquer apoio ou reconhecimento pelo serviço prestado à Pátria, instalaram-se nas mais diversas actividades produtivas, investindo os seus conhecimentos e dinheiros ao serviço de Portugal. A persistência das Associações de Combatentes perante os poderes públicos de pouco tem valido; mas a Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra tem prestado valioso apoio médico e logístico, além dos projectos que estão em curso para construção de estruturas capazes de alojar os que vivem mais isolados e carenciados; é um trabalho meritório que devemos apoiar com brio e convicção.

Como disse num debate público sobre a aferição dos valores que equilibram uma sociedade racional, mantenho a opinião de que a questão dos heróis sempre incomodou os cobardes e os acomodados. Seja no combate para defesa da Pátria, seja no combate aos fogos ou nas missões de salvamento das populações atingidas por flagelos e tempestades. Os valores da solidariedade, da colaboração, da defesa dos princípios democráticos e da paz não dependem de ideologias ou de regimes políticos; aceitam-se, defendem-se e praticam-se. Não há meias tintas; ou se é bom cidadão ou não. Os marginais, os parasitas, os cobardes e os traidores são nocivos à sociedade; uns porque são criminosos, outros são acomodados; é preciso reagir, ser solidário e produtivo. São esses arautos do laxismo e do facilitismo que degradam os valores que devem balizar a aquisição dos conhecimentos necessários ao desempenho com competência, saber e respeito. 

Todos devem merecer respeito pelos anos passados em situações de perigo, sofrimento e privações de toda a ordem; uns aguentaram e foram valentes, outros fraquejaram e continuam a sofrer.

 Março de 2011

Joaquim Coelho – Combatente em Angola e Moçambique - Repórter de guerra








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